Relato de parto natural dentro do carro
MEU LINDO E LOUCO PARTO NATURAL NO CARRO
ELISA
Era sexta feira, dia 14, e 21:30h foi quando finalmente eu consegui colocar Isabela para dormir (minha filha de 3 anos). Eu estava exausta e queria dormir, mas estava sentindo aquelas contrações doloridas e chatinhas. Eu não me alarmei, já faziam duas semanas que eu estava sentindo essas contrações todas as noites. E eu estava só com 36s4d de gestação.
Mas pra ser honesta, eu devia ter ficado alarmada. Cinco dias antes meu tampão mucoso havia saído. Além disso, eu passei a semana com um forte sentimento de que aquela seria minha última semana sem a Elisa. E além disso, eu sabia bem que estava entrando a lua nova, a lua da Elisa. Então eu tinha todos os sinais de que o momento chegava. Mas fui dormir.
Meu marido chegou 23:30 e eu acordei com outra contração, falei pra ele que estava sentindo muitas contrações aquela noite, e ele riu. Ele me conhecia bem o suficiente pra saber que eu estava falando aquilo porque acreditava que Elisa estava muito perto de nascer. Eu fui dormir de novo e prometi a ele que o avisaria se as contrações continuassem. Uma hora da manhã já não dava mais pra dormir, falei com ele que iria para o banho e fui.
Eu tive a certeza de que o momento chegara. Mas era só 1:30 da manhã, não quis acordar ninguém, então peguei o estojo de maquiagem e fui pintar minha barriga. Meu plano: pintar a barriga, tirar umas fotos, sete horas da manhã acordaria a todos, ligaria para a minha Doula, tiraria umas fotos junto com minha filha, e quando desse a hora iria para o hospital. Simples. Plano da Elisa: nascer dentro das próximas quatro horas.
Pintei a barriga, tirei fotos, tomei mais um banho. Fiquei medindo as contrações. Estavam irregulares, mas com tempo médio de 6 min entre uma e outra. Fiquei tranquila, ainda devia estar no inicio do trabalho de parto. 4:30 decidi descansar, deitei do lado do marido, e fiquei ali entre cochilos e contrações por meia hora.
E então eu ouvi um barulho PLOC, e senti algo estourar, sair do lugar dentro do meu útero. Junto veio uma dor MUITO forte. Muito. Como eu não senti nem no expulsivo do meu primeiro parto. Comecei a gritar na mesma hora e fiquei com medo. Alguma coisa devia estar errada. Será que minha placenta saiu do lugar?
Deivid levantou comigo num pulo e me ajudou a ir para o banho quente (quentíssimo). Minha filha acordou assustada com meu grito. Meu marido me deixou no banheiro e foi pegá-la. Conversou com ela, explicou que mamãe estava com dor porque a irmãzinha iria nascer, que estava tudo bem. Ela foi pro banheiro me olhar. A contração parou e eu conversei com Bela, mas ela estava assustada.
Outra contração, mais gritos, mais dor, mais medo. Quando parou gritei “liga pra Mel, a gente tem que ir pro hospital”. Liguei para ela na terceira contração (ou quarta, eu acho) e falei que estava com muita dor, queria ir pro hospital. Ela perguntou o tempo das contrações, e achou que 6 min estava muito longe (eu não tinha percebido que as contrações estavam diferentes agora, passei a estimativa de 40 min atrás). Sugeriu chamar a EO para uma avaliação, e esperar mais em casa comigo.
Isso me fez pensar. Falei que conversaria com o Deivid e desliguei. Falei com ele. Talvez eu só estivesse com muito medo, mas fosse cedo. A EO iria me deixar mais segura. Mas aí veio outra contração e eu senti uma dor que me fez pensar na expressão “círculo de fogo”. Isso descrevia minha dor.
Gritei durante a contração “vamos pro hospital agora, ela vai nascer, vai nascer agora”. Meu marido saiu correndo pra pegar as bolsas que já estavam prontas, a essa altura minha tia e meus pais já estavam do lado, com Isabela no colo (moramos no mesmo terreno, mas eu não faço ideia de quando eles chegaram lá).
Arrumamos tudo pra sair correndo muito, pedi minha tia para ir junto e minha mãe para cuidar da Bela. E a cada contração eu me ajoelhava no chão, gritava “vai nascer” e colocava a mão para ver se ela estava saindo. Não tinha cabecinha, mas eu tinha certeza de que estava nascendo. Tudo o que eu sentia conferia com o que tinha lido. A vontade de fazer força, a sensação de que ia fazer cocô, a dor “circulo de fogo”, e a pressão descendo na vagina.
Engraçado, na hora parecia que eu não pensava, mas depois percebi que eu só estava pensando muito rápido. Foram as coisas que estudei que me fizeram entender tudo o que acontecia. Eu sabia que ia nascer porque reconhecia os sinais de outros relatos de partos, de textos e artigos que eu tinha lido. Eu até pedi uma toalha limpa, pensando que quando nascesse a enrolaria nela. Eu agachava porque das posições, era a mais favorável pra mim, pra poder pegar ela quando nascesse.
Fomos para o carro, meu marido dirigindo, eu e minha tia no banco de trás. Eu respirava fundo e conversava nos intervalos e gritava MUITO nas contrações. Não sei se de medo, dor, emoção, a energia circulando no meu corpo, mas eu gritava, e isso me aliviava.
Assim que saímos minha Tia ligou para a Mel e falou que estávamos indo para o hospital X. Senti uma contração, e sem dúvidas lá estava a cabecinha da Elisa. Eu senti! Era ela. Avisamos a Mel, e ela correu para o hospital para deixar a equipe de sobreaviso.
Três minutos depois (eu acho) senti outra contração. A cabecinha dela quase saiu, mas parou. Eu gritava na contração e sentia ela com minha mão no intervalo. Ela voltou um pouquinho lá para dentro. Pensei “meu períneo agradece filhinha”.
A contração seguinte e a cabecinha dela saiu. Mandei meu marido encostar o carro, ele veio no banco de trás, sentiu a cabecinha dela. No telefone minha tia pediu ajuda para a Mel, que instruiu em esperar a contração, não fazer força, não puxar. No desespero pensei “mas saiu só a cabecinha, e se ela morrer?”, mas aí lembrei e falei pro Deivid e pra Tia Lalá “ela tem o cordão ainda, ela está respirando por ele” (como se eles tivessem perguntado qualquer coisa).
Meu marido voltou para o volante quando senti a contração seguinte e ela nasceu. 5:35 da manhã. No banco de trás do carro, parada no Km90 em Cachoeiro. Naquele lugar que está guardado na minha memória pra sempre. Naquele ponto nasceu Elisa, na minha mão. De forma natural. Quando ela quis. Minha tia ajeitou o cordão, pegou ela e colocou no meu colo. Por cima de nós duas colocou uma coberta. E eu senti o corpinho da Elisa em cima do meu. Todo sujinho de sangue. Ela respirando calma sobre meu coração.
E continuamos a viagem até o hospital. Chegamos em cinco minutos (acho), e lá estava a Mel e a equipe da emergência. Eu rindo, feliz, calma, e sem acreditar no que tinha acontecido. E Elisa calma no meu colo.
Daí pra frente minha memórias são bagunçadas, sei que fui com ela no colo até a sala de parto, pegaram ela pra dar aquela “avaliação” desnecessária enquanto eu recebi alguns pontinhos na pouca laceração que tive. Fui tomar banho de pé, com ajuda da Mel. Fui para o quarto enquanto meu marido olhava a bebê na mão das enfermeiras. Fiquei me sentindo nas nuvens. Tive o parto natural que eu queria! Minha filha no meu colo e a sensação impagável que isso é. Tanta alegria de ter ela comigo, sentir seu corpinho e seu jeitinho. O cordão só foi cortado depois da branquinho. Nada planejado, mas desejado. Apesar de que não vou mentir, morri de medo na hora! Pedi por favor pra Elisa esperar eu chegar no hospital. Ela não quis ouvir. Me deixou com medo, mas extasiada depois.
Deixaram ela no berçário porque eu cheguei lá e não tinha exame (recente) de HIV. Fiquei aflita, mas esperando. A medida que as horas passavam eu ficava mais ansiosa, eles continuavam a negar levar minha bebezinha para o quarto. Primeiro pedi a Mel para ir lá conversar, ela foi e negaram. Pedi a enfermeira. Negou. Pedi de novo, ela disse que ia pedir a pediatra. A pediatra mandou eu ir lá falar com ela. Fiquei preocupada, porque uma hora antes eu tinha quase desmaiado ao levantar pra ir no banheiro. Mas com o incentivo da Mel eu fui atrás da pediatra atravessei um corredor que parecia ser imensoooooooo (naquela hora parecia, ué). E falei com ela, conversei, pedi, repeti, até que ela concordou, e Elisa foi pro quarto comigo.
Me senti ainda mais poderosa. Um parto natural, e três horas depois eu estava de pé “brigando” com quem precisasse pra amamentar minha bebê. Ela foi pro quarto mas não quis pegar o peito. De jeito nenhum. Por nada que a gente tentasse. Não me desesperei. Fiquei com ela ali, no colo, insistindo, parando, insistindo, parando. Quando tinha seis horas que ela tinha nascido, ela mamou no meu peito. E eu me senti de novo super mulher, super mãe, super tudo para minha filha.
Ficamos alguns dias no hospital, coisa que eu não queria. Ela passou por intervenções desnecessárias (como aspiração, colírio, tomar banho e ser privada de amamentação na primeira hora de vida). Mas ainda me sinto transbordando de alegria.
Essa menina me forçou a um parto desassistido, o que me deu medo. Mas eu vi com meus olhos e afirmo pra quem quiser: bebês sabem nascer, mulheres sabem parir. Eu sei parir pra médico nenhum botar defeito. E o contato direto com ela, essa jornada que foi só nossa, ter que confiar uma na outra, isso fez meu mundo girar de outro jeito. Que mundo mais belo esse em que eu confio no meu corpo. Em que eu confio na conexão com minha filha pra entender o que ela precisa!
T.M.M.
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